quinta-feira, 18 de setembro de 2014





" BRADO PAULISTA "

Sou nato paulistano.
Sem domínio no cordel.
E no barbante não sou.
Nem doutor nem bacharel.
Mas busquei entendimento.
No rimar de Manuel

Se falhar desculpa eu peço.
Aos queridos cordelistas.
Só quero ser mais um.
Nesse mundo de artistas.
E através de meu bradar.
A voz de tantos paulistas.

E do que vim falar?
Se não de minha terra querida.
Minha terra misturada.
Amada e aguerrida.
Vim falar do meu povo.
Que chora de cabeça erguida.

Somos milhões enlatados.
Espremidos um no outro.
Não podemos gritar.
Fazermo-nos de bobo.
Só podemos aceitar.
Um dia após o outro.

Que louco esse girar.
Já não sei o prumo.
Muito menos a distância.
Há tempos que perdi o rumo.
Mas de mim não vou falar.
Isso é só um resumo.

Vim falar da cidade.
E adianto que ela é dura.
Uma caixa de concreto.
Com fumaça e sem pintura.
Mas repleta de luz.
Até de noite tem cultura.

Somos 11 milhões de rostos.
Num intenso vai e vem.
Mas aqui quem não corre morre.
De fome ou qualquer outro trem.
Bala também mata aqui.
E não vejo prenderem ninguém.

Mas quem sou eu?
O que meu gemer acrescenta?
A não ser umas vãs palavras.
Um pouquinho de pimenta.
Fora isso mais nada.
Sou tormenta sem ferramenta.

Só que eu grito bastante.
Afinal nóis já sofre tanto.
E se ninguém gritar.
O tirano continua a ser santo.
Por pouco tempo.
Mas um tempo e tanto.

É busão que quebra.
Ou que bate e mata um monte.
É busão que encalha.
Não tem túnel, não tem ponte.
E corrupto não falta.
Pegam muito do que vem da fonte.

O restante vai pro povo.
Que anda tonto e alienado.
De fone no ouvido.
Não ligando por estar apertado.
À noite tem novela.
E pra muitos é o adequado.

Entretenimento pra esconder.
Os problemas gritantes.
E não é só em São Paulo.
Por aí já tem bastante.
E aos que se esquecem.
Vou mostrar o degradante.

Pelas ruas há o lixo.
De um povo mal educado.
Ou do governo que não pega.
Podem ser os dois culpados.
A resposta eu não sei.
Mas há lixo espalhado.

O pobre povo da rua.
Morando sem dignidade.
Também é um problema.
E grave nesta cidade.
Que nós vamos enxotando.
Como higiene ou necessidade.

Há também o crack.
Que em silêncio rui vidas.
Mas não escondido.
Pois está exposta a ferida.
Que ninguém quer curar.
Ou admitir que ela exista.

Outra lástima é o transporte.
Que piora dia a dia.
Sobe a passagem, a gasolina.
Mas nenhuma melhoria.
Somos reféns engarrafados.
Vivendo de fé e fantasia.

Sem ao menos um caminho.
Pois as vias estão acabadas.
Tem buraco para todo lado.
E remendos que parecem lombadas.
Com a chuva até piora.
Se é que há meios pra pioras.

Vejam a flora, os canteiros.
Jardins de capim e sujeira.
Outro ponto esquecido.
E tratado como brincadeira.
Nas eleições é debate.
Depois vira tudo asneira.

As promessas são quebradas.
E protestos não fazemos.
Afinal não dá em nada.
E é nada o que valemos.
Pois confiamos em vermes.
E deles merda temos.

Então vamos desconfiar.
Ou então votar melhor.
Para não sermos só presas.
Sob chicotes de um senhor.
É o brado que deixo.
Clamor que eu vim propor.



¹ - Manuel d'Almeida Filho (13 de outubro de 1914 - 8 de junho de 1995), grande cantador e cordelista brasileiro. Seu primeiro cordel - A Menina que Nasceu Pintada com as Sobrancelhas Raspadas - foi escrito em 1936.






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